A partir do levantamento realizado neste diagnóstico foram identificadas no Bairro-escola Fundão do Ângela quatorze instâncias de participação, sendo sete organizações da sociedade civil, dois grêmios estudantis, quatro conselhos escolares e uma rede.
Para realizar esta listagem foram consideradas as instâncias existentes que promovem a participação da comunidade local, que tenham relação entre si ou que em algum momento tenham realizado uma ação intersetorial visando o desenvolvimento integral das crianças e jovens. Outro critério foi a interlocução com crianças, adolescentes e jovens e de que forma as instituições envolvem este público em suas atividades, desde o planejamento até a tomada de decisões.
Juridicamente, as organizações da sociedade civil são constituídas como associações, podendo atuar em diversas áreas como educação, cultura, assistência social, esporte, entre outras. Esse tipo de instância, em muitos casos, realiza parcerias com empresas privadas e convênios com o poder público, a fim de realizar seus projetos e ações.
Das associações encontradas no Bairro-escola Fundão do Ângela, cinco são organizações comunitárias e três funcionam como instância formal de Assistência Social. São elas: o Centro da Criança e do Adolescente (CCA), o Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicilio (SASF) e o Centro da Juventude (CJ).
A política pública de Assistência Social estabelece a responsabilidade do Estado na sua condução e a participação da sociedade civil na execução dos serviços, por meio de suas entidades e organizações de assistência social, princípios consagrados na Constituição de 1988, na Política Nacional de Assistência Social de 2004 e na Lei Orgânica da Assistência Social de 1993, atualizada por meio da Lei nº 12.435, de 2011. Dessa forma, o CCA, o SASF e o CJ são serviços oferecidos pelas organizações da sociedade civil em parceria (por meio de convênio) com a Prefeitura de São Paulo e fazem parte da Rede de Proteção básica do município.
O primeiro, CCA Jardim Bananal, gerido pela instituição Maria José Educar, desenvolve atividades educativas, culturais e de lazer voltadas para crianças e adolescentes de seis a catorze anos e onze meses. O CCA, também realiza atividades sócio-educativas envolvendo as famílias, como por exemplo, Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O segundo, CJ, atua com adolescentes de quinze a dezessete anos e onze meses tendo como foco, assim como o CCA, “a constituição de espaço de convivência a partir dos interesses, demandas e potencialidades dessa faixa etária” (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, 2014).
Tanto o CCA como o CJ têm como objetivos oferecer proteção social à criança e ao adolescente, bem como a constituição de um espaço de convivência para o desenvolvimento de potencialidades para a autonomia, o protagonismo, a cidadania e a participação na vida comunitária.
O CCA e o CJ devem atender, prioritariamente, crianças e adolescentes retiradas do trabalho infantil e/ou submetidas a outras violações de direitos, com ações que fortaleçam os vínculos familiares e que propiciam a constituição de espaços de convivência. Para isso, devem atuar com as famílias dos atendidos e buscar a articulação com os demais serviços do território.
As atividades devem ser pautadas a partir dos interesses, demandas e potencialidades dessas faixas etárias por meio de experiência lúdicas, culturais e esportivas como formas de expressão, interação, aprendizagem, sociabilidade e proteção social (Prefeitura Municipal de Sã Paulo, 2012). Nos dois casos, a demanda do público atendido é encaminhada e/ou validada pelo Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de abrangência da região [22].
O CCA e o CJ forneceram para a pesquisa o número total de crianças e adolescentes que participam das oficinas e atividades socioeducativas – 120 em cada. Essa é a única forma de participação das crianças no CCA, enquanto no CJ os jovens participam por meio de um coletivo de alunos que busca atuar de forma próxima à gestão, propondo espaços de diálogo [23]. Assim, apesar de os CCAs, enquanto política pública, terem como objetivo estimular a autonomia e o protagonismo das crianças e adolescentes, neste equipamento estes parecem ser vistos apenas como usuários do serviço (e foco das ações), mas não como participantes e protagonistas dos projetos.
O Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio (SASF), desenvolve proteção social básica no domicílio junto a famílias em situação risco e de vulnerabilidade social, com idosos e/ou pessoas com deficiência.
Este serviço prevê a convivência e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por meio de ações socioeducativas que visam: o acesso à rede socioassistencial, a garantia de direitos, o desenvolvimento de potencialidades, a participação e ganho de autonomia, por meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo, às situações de risco, exclusão e isolamento dos grupos familiares.
A instituição Obra Social do Bom Jesus, desde 1981 atua na periferia da Zona Sul de São Paulo e atualmente possui o gerenciamento de 21 núcleos sociais. No Fundão do Ângela é responsável por gerir o SASF Bom Jesus, localizado no Jardim Arizona (um bairro do distrito) que funciona desde 2011 e atende às comunidades da região. As atividades preveem visitas domiciliares semanalmente dos psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, reuniões socioeducativas por meio de ações educacionais, culturais, esportivas, de lazer e profissionalizantes.
A articulação comunitária é uma importante característica da região. Diferentes entre si, cada associação possui um grau de articulação e envolvimento com as questões do bairro. É comum entre as associações uma preocupação com temáticas que direta ou indiretamente relacionam-se com as crianças e jovens do território, como a segurança pública, que devido ao alto índice de violência, atinge principalmente os jovens da região.
Encontramos na área de abrangência as seguintes associações de moradores dos bairros Vila do Sol, Vila Calu, Jardim Arizona e M’Boi Mirim e região. Essas associações surgiram a partir de mobilizações locais para a implementação de serviços e direitos básicos da população do Fundão do Ângela. Deste processo surgiram importantes lideranças políticas e comunitárias da região.
Das quatro associações, duas encontram-se temporariamente fechadas (Arizona e Vila do Sol), e as outras duas em funcionamento (Vila Calu e M’Boi Mirim e região). A Associação M’Boi Mirim e região e a Associação Jardim Arizona possuem um ano de existência e a Associação Amigos Vila do Sol e a Associação Vila Calu são mais antigas, com 4 e 6 anos de existência, respectivamente.
Os grêmios estudantis são organizações formadas e lideradas por estudantes dentro das escolas e não constituídas juridicamente. A gestão democrática do ensino público está de?nida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) como princípio da educação nacional e, nesse sentido, os grêmios estudantis podem ser considerados uma experiência política de exercício de cidadania. O direito dos estudantes se organizarem em Grêmios é garantido pela Lei Federal n. 7.398 desde 1985 – não por acaso, já que se trata de momento histórico marcado pela redemocratização no País (Instituto Sou da Paz, 2001: 13).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) também reforça essa forma de participação, ao garantir o direito dos estudantes de se organizar e participar de entidades estudantis, bem como a lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei n. 9.394/1996), que determina que a direção da escola deve criar condições para que os alunos se organizem por meio do Grêmio Estudantil (Idem: 14).
Apesar do respaldo à participação dos estudantes, a existência de grêmio estudantil nas escolas (sejam elas públicas ou particulares) não é obrigatória. Ainda que opcionais, os grêmios estudantis são reconhecidos em âmbito nacional e internacional como instrumentos de exercício democrático e cidadão que deveriam ser estimulados pelo corpo docente e diretivo das escolas. Das escolas contatadas no Bairro-escola Fundão do Ângela, apenas duas possuíam grêmios estudantis em funcionamento.
Vale destacar aqui que ambos os grêmios (EE Amélia Kerr e Fazendo a Diferença da EE Honório Monteiro) são novos: o primeiro existe há um ano, e o segundo há apenas seis meses. Apesar do pouco tempo de existência, ambos se constituíram a partir de um amplo processo de mobilização juvenil na escola e até o momento atual possui forte atuação, reivindicando melhorias fundamentais no ensino, espaço escolar e segurança.
Nos dois grêmios identificados no território, os participantes se reúnem semanalmente. Em uma escola o grêmio tem seis adolescentes e na outra tem dez. Em termos de comunicação o grêmio possuem canal de comunicação digital por meio de blogs e Facebook. O grêmio Fazendo a diferença ainda realizou uma articulação com a rede local (JUCA) unindo-se a diversas ações e iniciativas em prol do desenvolvimento integral das crianças, adolescentes e jovens do Fundão do Ângela.
Os conselhos escolares atuam com a escola como território de abrangência, discutindo e decidindo sobre suas questões administrativas e gerais. Quem participa são a direção, os professores, pais e estudantes. No Bairro-escola Fundão do Ângela, as quatro escolas contatadas afirmaram ter conselho escolar.
Diferentemente das associações e grêmios, as redes não dependem de respaldo legal ou formalização jurídica para existirem. São consideradas sistemas organizacionais que reúnem pessoas e instituições em torno de objetivos e/ou temáticas comuns. Para um grupo de indivíduos ou instituições ser identificado como rede alguns elementos são essenciais, tais como: autonomia de cada integrante, valores e objetivos compartilhados, conectividade, participação, multiliderança, dinamismo e descentralização.
No que tange ao desenvolvimento integral, a rede referência articuladora e mobilizadora dos ativos comunitários do Fundão é a Rede JUCA. Funcionando há três anos, realiza reuniões mensais e tem como foco especificamente a defesa dos direitos da criança e juventude. Conta com dez participantes frequentes, mas o número pode variar de acordo com a temática do encontro.
A participação dos jovens se dá de forma gradual, dependendo da pauta, quando as lideranças comunitárias fazem contatos com coletivos de jovens que já desenvolvem algum tipo de projeto no território. Mantendo um diálogo permanente com os jovens, principalmente do grêmio e dos coletivos juvenis de cultura, a Rede estimula e reivindica aos órgãos públicos da região (Escola, Subprefeitura, CEU) a participação e representatividade efetiva dos mesmos. Além disso, também fomenta diversas iniciativas comunitárias e culturais na região que tem como o objetivo divulgar as iniciativas da juventude.
Todas as instâncias identificadas neste diagnóstico são recentes, a mais antiga tem seis anos e a mais nova quatro meses de existência. Assim, ainda que as lutas e movimentos sociais tenham uma presença histórica no território, sua organização em espaços formais de participação parece ser mais recente.
Desperta a atenção o fato de que, na época da realização do diagnóstico, duas das organizações comunitárias encontravam-se fechadas temporariamente. Uma possível explicação seria a falta de recursos financeiros para a continuação dos atendimentos e projetos, uma vez que organizações da sociedade civil dependem da mobilização de recursos públicos e privados para realizarem suas ações. Isso poderia denotar uma fragilidade deste tipo de instância de participação, pois, por dependerem de recursos externos para funcionarem de fato, sua atuação torna-se mais volátil.
Após a identi?cação das instâncias foram realizadas entrevistas com representantes de cada uma delas, com o objetivo de aprofundar questões e alguns aspectos relacionados com a “qualidade da participação” das mesmas. Entre outros pontos, buscou-se descobrir quais espaços comunitários e geridos por grupos locais presentes no território têm como prioridade uma atuação participativa e democrática e quais representam os interesses de crianças, adolescentes e jovens.
Todas as instâncias do território estão organizadas por pauta, ou seja, sua atuação está voltada a temas como direitos da criança e juventude, educação, cultura, lazer, esporte, assistência social ou direitos humanos.
Cartazes e faixas são os meios de comunicação mais utilizados pelas instâncias de participação do território, ainda que a maior parte delas avalie estes meios como ineficazes ou apenas satisfatórios. A internet (e-mail e Facebook) é utilizada apenas pela rede e por um dos grêmios e é bem avaliada por ambos.
O resultado das entrevistas aponta que a comunicação foi compreendida pelas instâncias como a maneira pela qual crianças, adolescentes e jovens são convocados para ações que estejam diretamente ligadas ao equipamento socioeducativo, novamente atrelando a questão da participação às atividades oferecidas pela organização.
A partir do levantamento realizado neste diagnóstico, foi possível confirmar algo que já era percebido: o surgimento das instâncias de participação do Bairro-escola Fundão do Ângela está relacionado com a mobilização comunitária e com os movimentos sociais e de lutas por direitos básicos. Isso pode ser apreendido pela quantidade de organizações comunitárias e pelo fato de a maioria das instâncias ter como foco de atuação a mobilização e resolução de questões e demandas do bairro.
Esse tipo de mobilização caracterizou muitos territórios periféricos da cidade e diz muito da própria história do “Fundão” que, conforme já mencionado no texto de introdução deste território, remete à ocupação irregular de uma chácara no início dos anos 1990. À época, não havia no território infraestrutura básica alguma, como rede de esgoto ou energia elétrica, ou seja, as pessoas chegam antes que “a cidade” na região.
Também desperta a atenção a aparente fragilidade das instâncias de participação identificadas no território, tanto do ponto de vista de sua continuidade no tempo, quanto da efetiva participação de crianças, adolescentes e jovens nas mesmas.